quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A economia das torcidas organizadas

POR LUIZ GUILHERME PIVA
As torcidas organizadas são empresas da economia informal.
Existem dois tipos de empresas na economia informal.
As do primeiro tipo são aquelas que, produzindo ou vendendo bens e serviços legais, escapam, o mais que possam, por necessidade ou esperteza, aos impostos, encargos, burocracias e responsabilidades legais.
Não estou falando de caixa dois, sonegação ou evasão praticadas por grandes empresas. E sim de pequenas empresas, empresas familiares ou individuais, ambulantes, autônomos, etc.
Nelas são recrutados produtores, trabalhadores, apoiadores e consumidores que, mesmo cometendo ilegalidades – ou, na definição mais rigorosa, crimes -, não são bandidos. Basta você consultar o dicionário para entender.
As empresas do segundo tipo são aquelas cujo produto é ilegal (armas, drogas, cópias de produtos, etc.) – tendo, pois, por natureza e finalidade, optado por elidir todas as normas, exceto, quase sempre, pela obtenção de um alvará de localização erma e/ou um CNPJ de fachada.
Obviamente, as empresas do segundo tipo recrutarão para seus negócios produtores, trabalhadores, administradores, financiadores, marqueteiros, comerciantes e consumidores que dão conteúdo ao verbete que você consultou há dois parágrafos.
As torcidas organizadas de futebol são empresas informais do segundo tipo.
O que elas vendem é ilegal.
Oferecem, vendem, entregam e asseguram o direito de exercer a violência, quer pela intimidação, quer pela agressão.
O produto delas é, por definição, monopólio do poder público.
O que define o Estado, ensinou Max Weber, é o monopólio do uso legítimo da força num determinado território. Se há grupos que, nesse território, conseguem fazer uso amplo e continuado da violência, o Estado está sendo questionado, ameaçado ou destruído.
É o caso de Estados em que, em determinadas circunstâncias, forças revolucionárias ou grupos golpistas ou bandos armados demarcam, de modo continuado, espaço e poder por meio do uso de armas ou da coerção em sentido amplo.
Revolucionários e golpistas obtêm mão-de-obra, anunciantes e clientes vendendo perspectivas de poder.
Traficantes vendem, caro, ascensão social para seus colaboradores e prazeres para seus clientes.
Torcidas organizadas vendem prestígio e proteção aos seus membros, que usufruem, com elas, do direito de exercer a violência.
Para seus clientes (jogadores, clubes, imprensa, dirigentes, torcedores adversários ou do mesmo time, etc.) vendem apoio, incentivo e – o mais valioso – um subproduto ou antiproduto (chantagem) do seu produto principal: não exercer, momentaneamente e a seu único critério, a violência contra eles.
É um business muito rentável.
Para os empreendedores, membros e acionistas de todos os tipos, rende, além de prestígio, dinheiro. Para os que aderem e financiam, defendem, enaltecem e reverenciam, garante o precioso usufruto do antiproduto.
Como em outras empresas, para que a rentabilidade se mantenha, é preciso que membros e clientes tenham demonstrações frequentes do poder do empreendimento: prêmios e bônus para os primeiros e vendetas exemplares contra os segundos que questionarem ou colocarem em risco o negócio.
Assim como outros negócios do mesmo tipo, como armas, drogas, falsificações de artigos caros, reproduções desautorizadas de patentes, segurança privada, justiça com as próprias mãos, emissão e circulação de moedas – todas elas atividades que contam com empreendedores, trabalhadores, distribuidores, anunciantes, financiadores, advogados, lobistas e consumidores -, também o business do exercício da violência à margem do Estado tem conquistado crescente lugar no mercado.
E, tal como alguns daqueles, qualquer dia – claro que também usando um nome fantasia, um empresário admirável como líder e uma lavanderia moderna como fachada – acabará constando desses rankings de maiores e melhores.

http://blogdojuca.uol.com.br/2013/03/a-economia-das-torcidas-organizadas/

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